quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

ECONOMIA-MEIO AMBIENTE: A NOVA FACE DO MERCADO DE CARBONO


ECONOMIA-MEIO AMBIENTE
PAGAMENTO DE SERVIÇOS AMBIENTAIS: A NOVA FACE DO MERCADO DE CARBONO
Por Patricia Grinberg fotos: Toni Ormundo










Em 1852, um cacique indígena de América do Norte, em resposta a um inquérito do governo sobre aquisição de terras tribais para os imigrantes que chegavam ao pais, perguntou: “Vocês acham que podem vender o ar, o céu, a terra?”. Bem, se a resposta fosse dada hoje, por exemplo, pelo Banco Mundial, seria “SIM”. A partir do Protocolo de Kyoto, o Mercado de Carbono criou literalmente a possibilidade comprar e vender o ar, compensando emissões de gases de efeito estufa (GEEs) no Norte com compra de “créditos” de carbono de florestas no Sul. Como os imensos custos operativos para preencher os requerimentos técnicos e burocráticos estão empantanando esse mercado, seus idealizadores o ampliaram: surgiu assim o sistema de Pagamento de Serviços Ambientais (PSA), que transforma em mercadorias quantificáveis a água, as belezas cênicas, a própria biodiversidade. As “palavras chave” dos projetos são “comando e controle”. O melhor aluno do Banco Mundial é Costa Rica. Agora é a vez do Brasil, o campeão mundial em biodiversidade.

TRANSFORMAR OS BENS NATURAIS EM MERCADORIAS


A partir da Revolução Industrial, os bens naturais foram qualificados como “recursos”, uma palavra do dicionário econômico. E assim foram tratados até a sua exaustão. Desde uma lógica econômico-financeira, esses recursos escassos devem ser identificados, quantificados e cotizados. Logo, deve identificar-se os beneficiários desses “serviços ambientais” que serão os “ usuários pagadores”. Do outro lado estarão os “provedores-recebedores”, como exemplo proprietários de terras rurais que protejam as nascentes dos rios. Como em todo grande mercado, entre o comprador e o vendedor estão os intermediários: neste caso, um verdadeiro exercito de técnicos (engenheiros florestais, especialistas em recursos hídricos, economistas, escritórios de advocacia, corretores de Bolsa, ONGs ambientalistas, e os financiadores e detentores do know how, pois eles idealizaram o sistema, caso o Banco Mundial). Em alguns casos, os recursos são depositados num fundo fiduciário e investidos para obter juros, de tal maneira que o que saiu do mundo financeiro como credito retorna ao mesmo como deposito. Qualquer semelhança com os fundos hipotecários que colapsaram nos Estados Unidos é mera coincidência.
Em momentos em que uma das grandes perguntas dos proprietários de terras é “qual é o ganho da conservação”, a noção de pagamento por serviços ambientais não deve ser descartada a priori, mas adaptado a sistemas mais equitativos, simples, destinado a reforçar e não substituir o sistema de legislação ambiental e fiscalização, com menores custos operativos e permanente monitoramento do poder público (o Estado) e da sociedade civil. Isto é fácil de escrever no papel, mas como se sabe a sociedade civil não possui câmaras técnicas independentes ao seu serviço, dado que a maior parte dos formados em universidades publicas pagas por todos os cidadãos vão engrossar as fileiras dos exércitos de intermediários e consultoras já mencionados.

BRASIL: O PRIMEIRO PROJETO DE CARBONO FLORESTAL CERTIFICADO EM AMERICA DO SUL

Trata-se do Corredor Monte Pascoal-Pau Brasil, no Extremo Sul da BA, gerido pelas ONGs Instituto Bioatantica (IBIO), Instituto Cidade e Natureza Bela e Associação dos Nativos de Caraiva (ANAC). O projeto, certificado pela CCB (The Climate, Community and Biodiversity Alliance), se propõe firmar termos de compromisso com proprietários rurais para reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, “com espécies nativas”, aos fins de geração de unidades voluntarias de carbono. As metas do projeto são reconectar os parques nacionais Pau Brasil e Monte Pascoal, com a restauração de 4 mil hectares, sendo que aproximadamente 1000 hectares seria via créditos de carbono. Os “compradores” são as empresas Kraft, Natura e Coelba.
O Instituto Bioatlantica é “o resultado de uma aliança inédita entre empresários e ambientalistas”. Os membros: Conservation International, The Nature Conservancy (TNC), Veracel Celulose, Lorentzen Empreendimentos S.A., Dupont Química, Fibria (Aracruz Celulose), e Petrobras. Membros associados. Plantar, Usiminas, CEMIG e MPX (Grupo EBX). O investimento total estimado é de aproximadamente R$80 milhões.
O projeto foi apresentado por Chris Holvorcem (IBIO) durante o I Curso de Pagamento de Serviços Ambientais, organizado a fins de maio em Porto Seguro pela ELTI (Iniciativa de Liderança e Capacitação Ambiental, por suas siglas em inglês) e direcionado ao Corredor Central da Mata Atlântica, más especificamente ao Projeto Mosaico, uma unidade menor do Corredor que abrange três municípios (Cabrália, Porto Seguro e Prado).
A ELTI, com escritórios em Panamá, EUA e Singapura,associada a duas entidades dos EUA: Universidade de Yale e ao Instituto de Pesquisa Tropical Smithsonian, está especializada em projetos de carbono e PSA e produção de matéria prima para mineração e bicombustíveis.

PSA: A VISAO DO BANCO MUNDIAL




Gunars Platais é um economista especializado em Meio Ambiente do Banco Mundial de ativa participação em projetos PSA para conservação das bacias hidrográficas em países como Costa Rica, Colômbia, México e Equador. Basicamente, a Idea consiste em que os beneficiários (usuários da água, irrigadores, e também os consumidores comuns) paguem pelos serviços de conservação adotados pelos proprietários das terras nas nascentes.
Em suas apresentações no Curso em Porto Seguro, Platais amostrou um esquema pelo qual os “usuários pagadores” seriam, via transferência das empresas dos custos de pagamento nas tarifas, os consumidores de água e eletricidade, e os proprietários rurais que utilizam água para irrigação.
Expôs, porem, um exemplo interessante de arranjo bilateral entre uma hidroelétrica privada de Costa Rica, La Manguera S.A., que paga ao dono das terras da bacia rio acima para manter a cobertura florestal, evitando deterioração do fornecimento de água. O pagamento é de 10 dólares por hectare por ano, com o qual só teriam benefícios reais as grandes propriedades.
Para dar andamento a essas medidas são criados fundos. Em Equador, a Fundação Antisana, com o apoio da Agencia do governo dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e a Associação The Nature Conservancy (TNC) criaram o Fundo da Água (FONAG). Mas existia uma limitação: a lei não permitia que órgãos governamentais investissem em fundos financeiros privados. A partir de 1999, a lei mudou e as empresas publicas de saneamento de água e de energia começaram a aportar fundos ao FONAG. Um gerente de finanças “ independente” investe os fundos mas “o desempenho financeiro do FONAG encontra-se apagado em função da rápida deterioração das perspectivas econômicas ao nível global” . A empresa publica de água de Quito EMMAP-Q começou aportando 1% das vendas de água potável mas “espera-se para o futuro a instituição de uma tarifa adicional” para os consumidores comuns.
Em entrevista com esta repórter, Gunars Platais disse que “não é obrigatório para o PSA criar esse tipo de fundos; nós sugerimos em Costa Rica criar um fundo com mecanismos para a sustentabilidade financeira (o FONAFIFO), mas podem ser outros mecanismos”.
A filosofia destes sistemas foi sintetizada durante o Curso PSA em Porto Seguro por outro especialista em “uso da economia como ferramenta da conservação do Meio Ambiente”, o economista Marcos Amen: “Do ponto de vista da economia, as políticas publicas devem existir onde o mercado falha”. Amend ensinou equações tais como “Beneficio Liquido da Conservação=Beneficio da Conservação -Custo da Conservação” e declarou que os problemas ambientais “só podem se resolver com comando e controle”. De quem?
Com esse modelo, recursos públicos vão a engrossar a especulação do sistema financeiro e os custos da preservação são transferidos aos consumidores finais, caracterizando assim uma privatização encoberta da água.

A PRIVATIZAÇAO DE PARQUES NACIONAIS EM CHILE

Outro modelo a medida da privatização dos bens naturais é das Áreas Protegidas Privadas (APP) em Chile. O maior e mais conhecido parque privado é do Pumalin, que cobre aproximadamente 300 mil hectares na Patagônia, propriedade do milionário norteamericano Douglas Tompkins desde fines da década de 1980, quando o pinochetismo ainda dominava Chile.
Porem, até os propagandistas deste sistema admitem que “a conservação, quando entregue ao mercado, tende a limitar-se as áreas de beleza cênica, sob normas administrativas inadequadas, sem a garantia legal de continuidade a longo prazo, com contribuições mínimas aos negócios sustentáveis do local e a uma grande distancia das áreas urbanas e das pessoas que mais aproveitariam o acesso e as oportunidades de recreação junto a natureza”.

A FOME DOS LABORATORIOS FARMACEUTICOS

Um estudo sobre o papel dos produtos naturais na seleta lista dos fármacos mais vendidos nos EUA detectou que 11 das 25 drogas mais vendidas em 1997, representando 42 por cento das vendas de toda a indústria, são produtos naturais ou biológicos, com um valor total de 17,5 bilhões de dólares.. Surge então a “oportunidade” de obter pagamento de serviços ambientais pelos laboratórios farmacêuticos e de cosméticos que usufruem da biodiversidade biológica e sociocultural das comunidades tradicionais.
Ademais da pratica da biopirataria e latrocínio do conhecimento ancestral dessas comunidades, que nada receberiam em conceito de royalties, existe o perigo dos chamados “incentivos perversos” de colheita indiscriminada e insustentável de certas espécies. “As empresas coletam material silvestre durante o tempo que for possível, e então mudam para sítios alternativos ou para outras espécies quando a população estiver exaurida”.
MAIS INCENTIVOS PERVERSOS: O BANCO DE ZONAS ALAGADIÇAS NOS EUA

Nos Estados Unidos existe um Banco de Zonas Alagadiças, um programa de “intercambio comercial de habitats” pelo qual as grandes empresas imobiliárias que aterram e destroem zonas alagadiças nas regiões litorâneas, podem “mitigar• essa destruição pagando para restaurar zonas similares em outros pontos do pais onde o valor da terra é menor. “Construir um centro comercial em terrenos com alto valor comercial, com a condição de não invadir zonas alagadiças circundantes, pode implicar em restrições devido ao alto custo de planejamento. Neste caso, a opção de transferir as zonas alagadiças a uma zona de menor valor, resulta atrativo para os urbanizadores do ponto de vista financeiro”.
Ou seja, a mesma lógica de incentivos perversos do Protocolo de Kyoto: destruir aqui e mitigar lá, mas aplicada dentro de um mesmo território.

PAGAR SERVIÇOS AMBIENTAIS: SIM!! EXEMPLO AOS CATADORES DE LIXO



Tanto know how produzido não deveria ser desperdiçado, mas adaptado a sistemas mais simples, socialmente justos e sempre com o Estado democrático como regulador de um sistema idealizado, paradoxicamente, pelos adoradores do Estado ausente.
Nas áreas urbanas, os catadores de lixo (a maioria deles vivendo em condições infra-humanas) prestam um imenso serviço socioambiental que deveria ser remunerado com base equitativa, quer dizer, com os maiores produtores de lixo realizando os principais aportes de recursos, desativando as máfias dos atravessadores de reciclagem que exploram aos que verdadeiramente prestam serviços. Já no campo, temos o exemplo dos carvoeiros, trabalhando em condições de escravidão para prover de carvão as empresas terceirizadas que nutrem a indústria do ferro gusa.
Um exemplo na área rural seria o sistema cabruca de plantio de cação e os plantadores de piaçava que sofrem as manobras especulativas dos altos e baixos do mercado, fato que poderia superar se com um valor agregado por serviços prestados a biodiversidade.

OS CAVALOS DE TROIA E O RETORNO DO CHEFE SEATLE

Milhares de delegados de nações indígenas e movimentos sociais de 147 países de cinco continentes participaram da Conferencia Mundial de los Pueblos contra el Cambio Climático y por los Derechos de la Madre Tierra, realizada entre el 19 y el 22 de abril de 2010 en la central ciudad boliviana de Cochabamba. (los bosques no están para absorber carbono) de copenhague a cochabama – Um salto para o movimento global por justiça climática)
“E difícil acreditar que os mecanismos concebidos em organismos multilaterais, como o Banco Mundial, possam beneficiar aos povos”, declaro na Conferencia a brasileira Camila Moreno (Amigos da Terra-Brasil).
Moreno estima que os projetos de mercado de carbono foram idealizados para permitir a entrada de organismos internacionais e vigiar a vida das pessoas, e logo criar um mecanismo financeiro de negociação dos direitos com fins especulativos. Ela qualificou a REDD como “o cavalo de Tróia que anuncia uma ameaça de apropriação de terras e territórios” ancestrais dos povos tradicionais.
Os perigos do mecanismo voluntário de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) foram também apontados pelo Centro de Monitoramento do Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP-WCMC), o braço de assessoramento do UNEP para políticas de proteção a biodiversidade. Nas suas conclusões, os assessores da ONU sinalizam que “é fundamental que os profissionais da conservação que desenvolvem negociações nacionais de projetos REDD+ em 2010 examinem cuidadosamente e informem se esses projetos provam ser prejudiciais para a conservação da biodiversidade. Conseqüências inintencionais podem facilmente levar a que esses negociadores coloquem o foco no carbono em lugar de em uma visão profunda e total dos serviços ecossistêmicos”.
Tom Goldtooth (Dentes de Ouro), nativo dakota e navajo, diretor da Indigenous Environmental Network (Rede Ambiental Indígena) dos Estados Unidos, solicitou ao presidente de Bolívia, Evo Morales (do povo indígena Aymara), que “rechace categoricamente” e “cancele” mecanismos REDD, que começaram em Bolívia com o Projeto de Ação Climática do Parque Nacional Noel Kempff, “ porque no existe garantia de respeito dos territórios aborígenes e porque as comunidades podem terminar rentando suas terras e renunciando a sua propriedade”, acrescentou.
Dados levantados pela ONG Greenpeace lançaram sérias dúvidas quanto aos resultados ambientais do projeto: os ganhos com a redução nos níveis de emissões seriam superestimados e sem metodologia coerente; as projeções de emissões divulgadas diferem entre si em mais de 90%; o desmatamento não teria sido evitado de fato, mas transferido para áreas vizinhas (fuga de carbono, ou carbon leakage); haveria descumprimento da exigência de “adicionalidade”, pois as emissões teriam sido evitadas mesmo na ausência do projeto, em virtude de mudanças legislativas ocorridas no país; seriam questionáveis os benefícios à comunidade local e o caráter permanente da preservação da área.
O relatório de Greenpeace, divulgado em outubro de 2009 afirma que o emprego do mecanismo voluntário de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) no projeto de proteção florestal na Bolívia estaria causando o aumento das emissões globais de gases de efeito estufa (GEEs). Falhas de avaliação permitiram a geração de créditos de carbono em um montante superior aos níveis de redução efetivamente alcançados, a despeito de as empresas participantes os terem utilizado para manter inalteradas suas atividades poluidoras - houve assim, dupla emissão de GEEs. ( Pontes Quinzenal Greenpeace adverte sobre fraude em projeto REDD)
Com a sua longa trança e imponente figura, lembrando ao Chefe Seatle, Dentes de Ouro declarou: “Se um povo indígena vende créditos de carbono aos mesmos governos e empresas multinacionais que estão destruindo o céu e os ecossistemas dos que dependemos para sobreviver, se transforma em cúmplice da sua própria destruição”.
Patricia Grinberg
Fotos: Toni Ormundo